Há genocídio em Gaza, e defensores de Israel têm de parar com vitimismo, diz Lula
Por Mariana Brasil, Victoria Azevedo e Caio Spechoto/ Folha Press em 03/06/2025 às 18:55

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse nesta terça-feira (3), em entrevista coletiva em Brasília, que há um genocídio na Faixa de Gaza e que os defensores de Israel precisam parar de vitimismo.
“Você não pode, a pretexto de encontrar alguém, matar mulheres e crianças, deixar crianças com fome”, disse o presidente brasileiro. O governo israelense mantém ações militares em Gaza sob o argumento de buscar integrantes e lideranças do Hamas e destruir o grupo terrorista.
“O que está acontecendo em Gaza não é uma guerra. É um Exército matando mulheres e crianças”, afirmou Lula. “Exatamente por conta do que o povo judeu sofreu na sua história que o governo de Israel deveria ter bom senso e humanismo no trato com o povo palestino”, acrescentou, em referência indireta ao Holocausto.
“E vem dizer que é antissemitismo? Precisa parar com esse vitimismo. Precisa parar com esse vitimismo e saber o seguinte: o que está acontecendo na Faixa de Gaza é um genocídio”, disse o petista, marcando as sílabas da palavra genocídio.
Lula criticou Israel várias vezes ao longo de seu mandato atual. No domingo (1º), o presidente disse durante convenção do PSB que a guerra é uma “vingança de um governo contra a possibilidade da criação do Estado palestino”. “Por detrás do massacre em busca do Hamas, o que existe, na verdade, é a ideia de assumir a responsabilidade e ser dono do território de Gaza”, afirmou ele na ocasião.
No último dia 21, o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, condicionou o fim da guerra na Faixa de Gaza à implementação de um controverso plano de deslocamento forçado de palestinos defendido pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Foi a primeira vez que o governo israelense mencionou a proposta dos EUA como condição para encerrar o conflito. Em janeiro, Trump sugeriu a transferência da população de Gaza para outros países árabes com o objetivo de “limpar a coisa toda”
Em nota divulgada na segunda (2), a embaixada de Israel em Brasília havia dito, sem mencionar nomes, que autoridades ao redor do mundo “compram mentiras” do Hamas. “Em todas as suas ações, Israel não tem a intenção de prejudicar pessoas não envolvidas”, afirmou a representação. “Israel não quer a guerra e o sofrimento causados por ela, resultado do uso da população de Gaza como escudo humano pelo Hamas, utilizando hospitais, escolas e creches para fins militares.”
Nesta terça, a Conib (Confederação Israelita do Brasil) publicou uma nota em que afirma que “o presidente Lula mais uma vez ataca os judeus”. O texto cita exemplos recentes de ataques que tiveram alvos judaicos, como o que matou dois funcionários da embaixada de Israel em Washington.
“A comunidade judaica lamenta muito que Lula não compreenda nem se sensibilize com isso. Seus pronunciamentos sobre o assunto provocam um aumento imediato de ataques contra os judeus e Israel nas redes sociais brasileiras, alimentando o antissemitismo que o presidente minimiza como vitimismo e pondo em risco a comunidade judaica brasileira”, diz a nota.
Lula embarca para a Europa ainda nesta terça-feira, onde fará uma visita de Estado à França. Ele disse que discutirá o “massacre do Exército de Israel à Faixa de Gaza” com o presidente francês, Emmanuel Macron. Também estará na pauta o acordo comercial entre Mercosul e União Europeia.
Aliada histórica de Israel, a França tem subido o tom de críticas a Tel Aviv em meio à retomada caótica de entrada e distribuição de ajuda humanitária no território palestino. Paris tem pressionado inclusive pelo reconhecimento oficial de um Estado palestino. “Não é simplesmente um dever moral, mas uma exigência política”, afirmou Macron sobre o assunto na semana passada.
O Palácio do Eliseu, sede da Presidência francesa, confirmou que os presidentes vão falar de Gaza e informou que possivelmente haverá uma declaração conjunta sobre o assunto. Não mencionou, porém, o acordo UE-Mercosul entre os temas a serem tratados pelos dois presidentes.
Questionado pela Folha de S.Paulo sobre a omissão, a assessoria do Eliseu respondeu que o governo francês teve a oportunidade de apresentar sua posição em várias ocasiões: “Que o acordo não é aceitável no estado atual.”
“Resta saber se a parte brasileira deseja trocar ideias sobre o assunto, mas já houve muitos diálogos com o presidente durante visitas anteriores para apresentar nossa posição, que não mudou”, afirmou.
O presidente brasileiro também afirmou que tentará vender o “bom momento do Brasil” a empresários franceses para tentar atrair investimentos.
Lula é próximo de Macron, que já visitou o Brasil durante o governo do petista. Além disso, o francês recebeu o político brasileiro em Paris quando o petista ainda não era presidente da República.
Ele terá compromissos oficiais no território francês de 4 a 9 de junho. Nesse período, a Torre Eiffel deverá ser iluminada com as cores do Brasil, uma demonstração de prestígio. Trata-se da primeira visita de Estado de um presidente brasileiro à França em 13 anos -a última foi feita por Dilma Rousseff, em 2012.
O primeiro compromisso de Lula em Paris, nesta quarta (4), será a cerimônia oficial de recepção no Pátio de Honra da Esplanada dos Inválidos, local tradicional de eventos militares e desfiles na França, de acordo com o governo brasileiro. Em seguida, o presidente terá um encontro com Macron no Palácio do Eliseu, a sede do governo francês. A reunião contará com a participação das delegações dos dois países e será seguida por uma cerimônia de assinatura de atos.
Ao todo, Lula e Macron devem assinar 20 atos bilaterais, incluindo acordos de cooperação nas áreas de vacinas, de segurança pública, de educação e de ciência e tecnologia, segundo a Agência Brasil.
A agenda inclui outros compromissos com simbolismo político e diplomático, como a visita à sede da Interpol, em Lyon, no dia 9 -a organização internacional de polícia atualmente é comandada por um brasileiro. Inicialmente estava prevista na agenda, no dia 7, a ida à base naval de Toulon, onde são fabricados submarinos nucleares. O evento, porém, foi retirado da programação, ainda sem explicações por parte do Itamaraty e do Palácio do Eliseu.
Lula será homenageado em uma sessão especial da Academia Francesa, no dia 5. No dia seguinte, ele também visitará, no Grand Palais – tradicional pavilhão de exposições de Paris-, uma mostra dedicada ao Ano do Brasil na França. Também deverá receber o título de doutor honoris causa da Universidade Paris 8, onde lecionaram intelectuais como o filósofo Michel Foucault e o psicanalista Jacques Lacan.
A agenda ambiental também está contemplada, com a inauguração de uma “floresta urbana” em frente à prefeitura de Paris, no dia 5, e a participação de Lula na Conferência das Nações Unidas sobre o oceano, que será realizada em Nice, no litoral mediterrâneo, no dia 9.
Principais compromissos de Lula na França
4.jun – Lula participa de cerimônia oficial de recepção no Pátio de Honra da Esplanada dos Inválidos, em Paris; em seguida, o presidente brasileiro encontra Macron no Palácio do Eliseu para assinatura de atos e participa da inauguração de uma “floresta urbana” em frente à prefeitura
5.jun – Líder petista deverá receber homenagens em sessão especial da Academia Francesa;
6.jun – Lula deverá receber o título de doutor honoris causa da Universidade Paris 8, onde lecionaram intelectuais como Michel Foucault e Jacques Lacan; ele também visitará uma mostra dedicada ao Ano do Brasil na França
8.jun – Lula foi convidado para participar de evento em Mônaco sobre a economia, com enfoque na questão da utilização econômica e mobilização de financiamento para a conservação dos oceanos;
9.jun – Presidente vai a Nice para participar da Terceira Conferência das Nações Unidas sobre os Oceanos.