TJ-SP anula júri por contradição dos jurados ao responderem quesitos
Por Eduardo Velozo Fuccia/Vade News em 29/05/2025 às 16:00

A garantia constitucional da soberania do Tribunal do Júri para decidir sobre questões ligadas aos crimes dolosos contra a vida não é absoluta, se a decisão do Conselho de Sentença contrariar de forma manifesta o conjunto probatório. Com essa fundamentação, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) anulou o julgamento de um condenado por homicídio qualificado, porque os jurados responderam os quesitos de forma contraditória, conforme os seus advogados sustentaram em recurso de apelação.
“Tal soberania é adstrita à observância da prova regular, eis que caso a decisão seja absolutamente contrária à prova dos autos, ao que foi apresentado, é evidente a possibilidade de cassação desta decisão”, observou o desembargador Edison Brandão, da 4ª Câmara de Direito Criminal, relator da apelação. O recorrente foi condenado a 19 anos de reclusão, enquanto os jurados absolveram outro réu que o acompanhava. Segundo o Ministério Público (MP), eles mataram a vítima com 15 tiros.
Segundo os advogados Anderson dos Santos Domingues e Eugênio Carlo Balliano Malavasi, houve contradição dos jurados ao responderem os quesitos, porque há prova inequívoca de que os réus estavam juntos no momento do crime, em lugar diverso de onde ocorreu o homicídio, devendo a absolvição de um levar à absolvição do outro. Os acusados negam a execução. Com a anulação do júri, eles serão submetidos ao terceiro julgamento pelo mesmo fato. A data da próxima sessão ainda será definida.
De acordo com Brandão, “sem que se invada o soberano terreno da decisão do Tribunal do Júri, existe a possibilidade de que a decisão tenha sido manifestamente contrária à prova dos autos, embora não seja impossível, nem incomum, a absolvição de um réu e a condenação de outro”. Porém, prosseguiu o relator, “a preservação de um resultado em detrimento do outro, na hipótese, não se mostra aconselhável”. Os desembargadores Luis Soares de Mello e Roberto Porto seguiram o seu voto.
O colegiado apontou a “tênue linha” que separa uma interpretação da prova, reservada à soberania dos veredictos, de eventual decisão manifestamente contrária à prova dos autos. Por esse motivo, o acórdão destacou que “não é conveniente tecer mais comentários, sob pena de se influir no ânimo dos jurados que comporão o novo Conselho de Sentença”. O MP também apelou, mas inversamente à defesa quer um novo júri para que ambos os réus sejam condenados.


Anulação pela roupa
O homicídio qualificado atribuído ao apelante, que seria agiota, e ao corréu, sargento da Polícia Militar, ocorreu em junho de 2023, no Jaçanã, Zona Norte de São Paulo. Segundo o MP, os acusados desembarcaram encapuzados de um carro e executaram com 15 tiros um homem, que estava em outro veículo estacionado. Conforme a denúncia, a vítima também seria praticante de agiotagem e o crime foi motivado por disputa de clientela. O policial militar atuaria como “cobrador” do outro denunciado.
Antes do primeiro julgamento, os advogados Anderson Domingues e Malavasi pediram ao juízo da 2ª Vara do Júri do Foro Criminal da Barra Funda que o cliente pudesse vestir trajes civis. Porém, o presidente da sessão indeferiu o requerimento, sob a justificativa de que o uniforme carcerário auxiliaria na identificação do réu em caso de eventual fuga. O suposto agiota e o sargento da PM foram condenados, respectivamente, a 19 anos e a 14 anos e três meses de reclusão.
Sob a alegação de prejuízo à defesa em decorrência da utilização do uniforme do presídio, os advogados do suposto agiota impetraram habeas corpus perante o TJ-SP e pleitearam a anulação do julgamento. A 4ª Câmara de Direito Criminal negou essa pretensão por não vislumbrar a existência de “patente constrangimento ilegal”. A decisão motivou os defensores a impetrarem novo HC, desta vez no Superior Tribunal de Justiça (STJ). A ministra Daniela Teixeira acolheu o pedido.
Conforme a julgadora, permitir o uso de roupas civis resguarda a dignidade da pessoa humana e garante a isonomia, porque o réu solto comparece ao júri sem a farda do sistema carcerário. Daniela acrescentou que a vestimenta prisional gera um “estigma sociocultural de culpado em torno do custodiado, influenciando de forma indevida o ânimo dos jurados”. Por fim, a ministra disse que a questão do traje não traz qualquer insegurança ou perigo, tendo em vista a existência de policiamento ostensivo nos fóruns.
* Por Eduardo Velozo Fuccia/Vade News