Agência do governo opta por leilão em duas fases de megaterminal em Santos e escanteia armadores
Por Alex Sabino/Folhapress em 28/05/2025 às 10:00
Documentos mostram que a Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) optou por um leilão em duas fases para o Tecon 10, o megaterminal Porto de Santos, que deve acontecer neste ano. A recomendação, se acatada pelo Ministério dos Portos e Aeroportos e pelo TCU (Tribunal de Contas da União), vai tornar improvável que armadores que já atuam no complexo portuário vencerem a concessão.
A decisão facilita para que empresas que não sejam os chamados terminais verticalizados (donas do navio, da operação e do terminal) vençam o certame. A reportagem apurou que uma delas é a JBS Terminais, dos irmãos Joesley e Wesley Batista.
A deliberação número 38 da Antaq, publicada nesta segunda (26), no Diário Oficial da União, diz que a agência aprovou “a análise de contribuições objeto de Audiência Pública 02/225-ANTAQ”.
De acordo com documento da comissão permanente de licitação e arrendamentos portuários da Antaq, uma das sugestões apresentadas foi a restrição ou proibição da participação no leilão de armadores que já possuem terminais no porto de Santos, os verticalizados. O argumento é de uma possível concentração de mercado por apenas uma companhia.
Em resposta a isso, a Antaq explicou ter optado por um “certame em duas etapas” para “minimizar o risco de diminuição da concorrência, mas, ao mesmo tempo, manter o apetite pelo ativo”.
A agência decidiu que na primeira etapa não será permitida “a participação dos atuais incumbentes do porto de Santos. Nesta etapa, poderiam participar do certame agentes econômicos que atendessem aos requisitos do edital, mesmo armadores, que não sejam titulares de contrato e não possuam qualquer participação societária no conjunto de terminais arrendados () que movimentam contêineres no Complexo Portuário de Santos(…)”.
Apenas em uma possível segunda etapa, caso não tenha ocorrida nenhuma proposta considerada válida, o leilão seria aberto a qualquer interessado.
A reportagem questionou a Antaq sobre a decisão e os motivos que a levaram tomá-la. A agência se limitou, inicialmente a dizer que o leilão seguiria o rito normal: vai agora para o Ministério dos Portos e Aeroportos, em seguida para o TCU. Depois o edital será publicado. O processo ainda precisa ser referendado pela diretoria colegiada da autarquia.
Este modelo de leilão tira da concorrência, salvo falta de interesse na primeira rodada, as principais armadoras que operam em Santos: Maersk e MSC, sócias no terminal BTP. A Santos Brasil, empresa que mais movimenta contêineres no porto, também ficaria fora porque foi vendida no ano passado para a CMA CGM, uma das maiores armadoras do mundo.
Minutos após a publicação da matéria pela Folha de S.Paulo, a Antaq decidiu publicar a justificativa para o leilão em duas etapas. Segundo a agência, a concessão não deve ser medida “apenas pelo valor financeiro arrecadado, mas pela configuração concorrencial pós-leilão”. O certame será decidido pelo valor de outorga, o que significa: quem fizer a maior oferta. Sem os principais armadores, a tendência é que o valor seja menor.
Uma pessoa com conhecimento do leilão disser à reportagem que a decisão já havia sido encaminhada ao Ministério dos Portos, que estava pronto para remeter os documentos ao TCU. Mas o processo foi interrompido porque o assunto precisa ser alinhado pela diretoria da Antaq com outros entes do governo federal. O Tribunal pode receber a recomendação nos próximos dias.
O Tecon 10 será instalado na região do Saboó, em Santos. Serão 423 mil metros quadrados em 1.300 metros de cais. A expectativa é que entre em operação em 2027 e, a partir de 2034, movimente 3,5 milhões de TEUs (referência para unidades de contêineres de 20 pés).
A promessa é de aumentar entre 40% e 50% a movimentação no porto. O investimento deve superar os R$ 5 bilhões.
Por causa de sugestões na audiência pública, a Antaq produziu novo estudo concorrencial que contemplou seis possíveis para o resultado do leilão. O documento já via com bons olhos a entrada de uma nova empresa, dizendo que a “estrutura de mercado se tornaria substancialmente mais competitiva”.
Mas nas conclusões, a nota técnica da agência afirma não ter identificado “elementos que justificassem a exclusão de armadores da participação no certame”. Também disse que os riscos poderiam ser reduzidos por meio de instrumentos regulatórios.
A nota técnica não tem caráter decisório. Faz sugestões à diretoria da agência sobre “fatores econômicos, jurídicos, institucionais e conjunturas que hão de ser consideradas para a definição de balizas do certame licitatório”, como explica o documento.
A queixa de operadores do porto é que armadores como Maersk e MSC provocariam uma concentração que seria danosa à livre concorrência. O que os armadores negam que poderia ocorrer.
“Dependendo do que acontecer, tende a acontecer [uma judicialização do processo]. Se ferir a lei de liberdade econômica, é possível que alguém se movimente nesse sentido”, afirma Claudio Loureiro de Souza, diretor executivo do CENTRONAVE (Centro de Navegação Transatlântico), entidade que reúne armadores.