Setembro Amarelo: como o 'tudo bem' esconde um silêncio de quem precisa de ajuda
Por HENRIQUE GODINHO em 10/09/2025 às 20:00
Quantas vezes você perguntou a um amigo ou familiar “tudo bem?” e recebeu um simples “tudo” como resposta? Por trás de um questionamento tão comum, pode se esconder uma tempestade silenciosa. Muitas vezes, um olhar mais atento revela que a realidade é bem diferente do que a pessoa realmente precisa.
O Setembro Amarelo existe justamente para nos convidar a ir além do automático e a perguntar de novo: “mas está tudo bem mesmo?” Entender os principais sinais de alerta para a prevenção do suicídio, conhecer os desafios e saber quando é o momento de buscar ajuda profissional são fundamentais.
O psicólogo clínico Marcos Libório reforça a relevância da campanha por conta do preconceito e do silêncio que ainda cercam o tema.
“É um movimento que reforça a importância de falar sobre sofrimento, acolher e lembrar que pedir ajuda não é sinal de fraqueza, mas sim de coragem. O suicídio e os transtornos mentais não são assuntos distantes; eles atravessam famílias, ambientes de trabalho e relações sociais.”
O cenário do suicídio no Brasil e no mundo
O suicídio é uma triste realidade que atinge o mundo todo. De acordo com a última pesquisa da Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2019, são mais de 700 mil suicídios registrados anualmente em todo o mundo. O número, no entanto, é subnotificado, e a estimativa real pode passar de 1 milhão de casos.
No Brasil, os registros se aproximam de 14 mil casos por ano, o que significa uma média de 38 vidas perdidas por dia. Sabe-se que praticamente 100% dos casos de suicídio estão relacionados a transtornos mentais, principalmente aqueles que não foram diagnosticados ou tratados corretamente. Dessa forma, a maioria das mortes poderia ter sido evitada se esses pacientes tivessem acesso a tratamento e a informações de qualidade.
Como identificar sinais de alerta?

(Crédito: Freepik)
O psicólogo alerta que alguns comportamentos podem ser sinais e merecem atenção especial. Entre eles, estão: mudanças drásticas de comportamento, isolamento, alterações no sono e no apetite, queda no rendimento profissional ou escolar, falas pessimistas frequentes e desinteresse por atividades que antes traziam prazer.
“Quando percebemos isso, o mais importante não é julgar, mas acolher. Precisamos escutar sem pressa, mostrar presença e incentivar a busca por ajuda profissional. Pequenas atitudes de cuidado podem fazer uma grande diferença.”
Libório ainda aponta que a pandemia de covid-19 intensificou quadros de ansiedade, depressão e burnout, devido ao isolamento, medo e incertezas. Segundo ele, a tecnologia pode ser uma aliada na democratização do tratamento, mas também desafiadora. “Hoje, ainda vemos reflexos disso, principalmente na forma como lidamos com o trabalho e as relações sociais. A terapia online, por exemplo, pode aproximar as pessoas, mas o uso excessivo pode gerar sobrecarga de informação e esgotamento.”
O papel do tratamento e da terapia
Nunca é tarde para tratar os transtornos mentais, mas o ideal é que sejam encarados antes que se tornem insuportáveis. O tratamento pode ser combinado de várias formas, mas o essencial é não enfrentar a situação sozinho. Cada caso pede uma abordagem específica, seja psicoterapia, acompanhamento psiquiátrico, grupos de apoio ou serviços comunitários.
“A terapia é um espaço de autoconhecimento, elaboração de sentimentos e construção de novas estratégias para lidar com a vida. Ela oferece um ambiente seguro onde a pessoa pode falar livremente, sem julgamentos”, afirma o psicólogo.
Como cuidar da sua saúde mental no dia a dia?

(Crédito: Freepik)
A prevenção do suicídio e o cuidado com a saúde mental são temas que precisam ser discutidos e praticados o ano inteiro, não apenas em setembro. A adoção de hábitos simples pode fazer uma grande diferença.
O psicólogo recomenda:
- Rotina de sono saudável: priorizar um sono de qualidade é essencial para a saúde do corpo e da mente.
- Prática de atividade física: o exercício regular ajuda a liberar endorfinas, promovendo bem-estar.
- Momentos de lazer e desconexão digital: desconectar-se das telas ajuda a reduzir a sobrecarga de informações e a ansiedade.
- Vínculos sociais: cultivar amigos e ter conversas significativas fortalecem as conexões humanas.
- Autocuidado: reservar tempo para si mesmo, seja com hobbies ou momentos de reflexão, é fundamental.
- Buscar ajuda: nunca hesite em procurar apoio profissional sempre que sentir necessidade.
Desafios e mitos: rompendo barreiras na saúde mental
O tema da saúde mental e da prevenção é cercado por diversos mitos e preconceitos que dificultam a busca por ajuda. Libório destaca alguns deles:
- “Depressão é frescura ou falta de fé.”
- “Quem fala em suicídio só quer chamar a atenção.”
- “Terapia é coisa ‘para loucos’.”
- “Pedir ajuda é sinal de fraqueza.”
“Precisamos desmistificar tudo isso. Sofrimento psíquico é real, é humano e pode afetar qualquer pessoa, em qualquer fase da vida. Reconhecer isso é o primeiro passo para uma sociedade mais saudável.”
O profissional ressalta que, apesar dos avanços, o acesso a serviços de saúde mental ainda é um grande desafio. A falta de conhecimento sobre os serviços gratuitos oferecidos pelo SUS e a questão financeira continuam sendo barreiras. “As soluções atuais são eficazes, mas ainda precisamos ampliar o acesso a elas. É necessário políticas públicas mais efetivas e a democratização dos serviços de saúde mental”, conclui.
História por trás do Setembro Amarelo

(Crédito: Reprodução)
A campanha começou nos Estados Unidos, em setembro de 1994, com a história de Mike Emme, um jovem de 17 anos que tirou a própria vida. Apaixonado por carros, ele restaurou um Mustang 1968 e o pintou de amarelo. No funeral, sua família e amigos distribuíram cartões com mensagens de apoio e laços amarelos, em homenagem ao carro de Mike, para incentivar quem estivesse sofrendo a procurar ajuda.
Mal sabiam eles que esse simples gesto daria origem a um dos maiores movimentos de prevenção ao suicídio no mundo, com o dia 10 de setembro sendo celebrado mundialmente.
No Brasil, o movimento ganhou força em 2013, quando a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e o Conselho Federal de Medicina (CFM) perceberam a necessidade de discutir o tema de forma mais ampla. A partir de 2014, a campanha foi inserida no calendário nacional e, em 2025, se tornou a Lei Federal 15.199, que incentiva a sociedade a promover atividades, eventos e campanhas para conscientização.
Onde e como pedir ajuda

(Crédito: Ministério da Saúde)
No Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece atendimento gratuito pela Rede de Atenção Psicossocial, que inclui Unidades Básicas de Saúde (UBSs), Centros de Atenção Psicossocial (Caps) e o Samu (192) em casos de emergência.
Outro recurso essencial é o Centro de Valorização da Vida (CVV), que oferece apoio emocional voluntário, gratuito e sigiloso, 24 horas por dia, pelo telefone 188 ou pelo chat no site do CVV.