Pesquisa aponta responsabilidade de comandantes da PM em mortes da Operação Escudo
Por Santa Portal em 29/07/2025 às 06:00
Pesquisadores que analisaram todos os inquéritos relacionados à Operação Escudo – na qual policiais militares deixaram 28 mortos na Baixada Santista, há dois anos – afirmam que comandantes da PM paulista contribuíram para a alta letalidade das ações e a falta de coleta de provas que poderiam incriminar agentes de segurança. Eles apontam, em um relatório, problemas na conduta da polícia em quase todas as mortes.
O estudo foi feito pelo Geni-UFF (Grupo de Estudos de Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense), a pedido do Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública estadual, que defende famílias de alguns dos mortos na operação.
No relatório, os pesquisadores dizem que as ações policiais da Escudo “foram fruto de precário planejamento e aconteceram sem qualquer ação prévia de inteligência para a definição de objetivos precisos, como indivíduos por quem procurar ou locais específicos a serem vasculhados”.
Questionada, a SSP (Secretaria de Segurança Pública) afirmou que “a Polícia Militar é uma instituição legalista, que atua com base na Constituição e nas leis, e não tolera desvios de conduta” e que a “Corregedoria tem papel ativo e rigoroso na apuração de eventuais irregularidades, com responsabilização dos agentes que descumprirem os protocolos operacionais ou infringirem a lei”.
A Operação Escudo, que se tornou uma marca do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) na segurança pública, teve início um dia após a morte do soldado Patrick Bastos Reis, 30, que integrava a Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), batalhão de elite da PM conhecido pelo alto índice de letalidade.
Patrick foi o primeiro policial da Rota morto em serviço em mais de duas décadas. O documento mostra que alguns dos colegas que escoltaram o caixão do soldado se envolveram, cerca de duas horas depois, numa ocorrência que resultou na segunda morte da operação, em Guarujá. O velório ocorreu às 17h do dia 28 de julho, e o horário registrado da ocorrência é 19h28 no litoral paulista.
Um sargento que participou diretamente dessa ocorrência relatou que ficou sabendo no cemitério que participariam de uma operação no litoral. Ele integrava a mesma companhia de Patrick na Rota, e afirmou também que nunca havia participado de um cortejo fúnebre.
O homem morto na ação horas depois do enterro era morador de rua, segundo o relatório. Reportagem da Folha mostrou, à época, que ele foi enterrado como indigente. O estudo registra que os outros policiais envolvidos na ocorrência disseram “que não houve ação de inteligência prévia, que apenas foram direcionados a incursionar em ‘ponto de tráfico'”.
O Geni-UFF afirma, inclusive, que oito pessoas em situação de vulnerabilidade foram mortos na operação: seis faziam uso abusivo de drogas, quatro estavam em situação de rua e dois tinham algum problema de saúde mental.
No mesmo dia, ainda antes mesmo do enterro de Patrick, um dos coordenadores da Escudo -o capitão Marcos Correa de Moraes Verardino-, envolveu-se diretamente na primeira morte registrada na operação.
Promotores do Gaesp (Grupo de Atuação Especial da Segurança Pública) do Ministério Público, no entanto, afirmam que o homem já estava rendido, com as mãos na cabeça, quando os policiais dispararam três tiros de fuzil e dois de pistola. Uma pessoa que estava na rua filmou parte da abordagem com seu celular.
Uma câmera de segurança instalada numa casa teria gravado a ocorrência. No entanto, as imagens não foram encontradas.
A acusação afirmou que os policiais entraram na casa e fizeram um morador apagar as imagens. A defesa dos policiais sustentou que elas teriam sido apagadas por um erro no aparelho, e que a perícia no aparelho de gravação não permite dizer que elas foram deletadas intencionalmente. Verardino e outro policial que atiraram contra o suspeito foram absolvidos em primeira e segunda instância.
O documento relata, ainda, um caso em que PMs estavam com as câmeras corporais descarregadas no momento em que se envolveram numa ocorrência com morte. Isso ocorreu após os botões serem acionados cerca de 200 vezes, o que teria esgotado a bateria do aparelho.
“Os policiais estavam cientes do desligamento e inclusive já haviam comunicado o fato ao Coordenador do Pelotão, que não interrompeu as ações”, diz o relatório. A morte ocorreu cerca de duas horas após as câmeras ficarem sem bateria.
O relatório registra ainda diversos problemas na preservação das cenas de ocorrência e da geração de provas nos processos.
São casos em que munições das armas atribuídas aos suspeitos não foram encontradas, indícios de que os corpos foram retirados sem vida e prejudicaram a perícia da cena, em que a própria perícia foi dispensada pela Polícia Civil. A maioria das ocorrências não foi gravada por câmeras corporais.
“Nossa tentativa foi chegar numa visão de conjunto da operação, e essa perspectiva aponta para essa dinâmica de retaliação institucional. E é importante, porque isso nunca é feito no Brasil, que se responsabilize a cadeia de comando”, disse o pesquisador Daniel Hirata, coordenador do Geni-UFF.
Após instaurar inquéritos sobre as 28 mortes, promotores do Ministério Público de São Paulo denunciaram oito PMs que participaram das mortes de quatro homens, e arquivaram as investigações das outras 24 mortes.
Já os inquéritos da Operação Verão, que ocorreu no ano seguinte e deixou um saldo oficial de 56 mortes, resultaram em três denúncias, e o restante foi arquivado.