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20/06/2025

Juíza absolve trio acusado de tráfico em Santos por ingresso ilegal de PMs em imóvel

Por Eduardo Velozo Fuccia/Vade News em 20/06/2025 às 15:00

Reprodução
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Sem a demonstração de que o ingresso em domicílio foi revestido de legalidade, a prova obtida com essa entrada é ilegal e não pode embasar uma condenação. Essa observação foi feita pela juíza Lívia Maria de Oliveira Costa, da 2ª Vara Criminal de Santos, ao absolver três homens das acusações de tráfico de droga e associação para o tráfico. No apartamento de um deles, no conjunto habitacional BNH-Aparecida, policiais militares disseram que apreenderam 3,7 quilos de maconha, cocaína, crack e haxixe.

“Se o ingresso no domicílio não foi autorizado pelo morador e não há provas seguras acerca da justa causa que autorizaria a mitigação da proteção constitucional, as provas produzidas são ilícitas e inadmissíveis para sustentar um decreto condenatório”, frisou a julgadora. Lívia Costa ressalvou que a alegação dos acusados de que os PMs forjaram as drogas não merece ser acolhida, “no entanto, não demonstrada a legalidade da entrada forçada dos agentes estatais no imóvel, a absolvição dos réus é medida que se impõe”.

A absolvição foi fundamentada na insuficiência de prova. A juíza citou na sentença decisão recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar o habeas corpus 896.306/SC. Sob a relatoria do ministro Rogerio Schietti Cruz, a 6ª Turma da corte concluiu que “nos casos de inconsistência na narrativa policial, ausência de imagens das câmeras corporais e confiança excessiva em testemunho dos agentes, a busca pessoal e o ingresso em domicílio são ilícitos, tornando inadmissíveis as provas obtidas”.


Foto: Reprodução

Laudo desmente PMs

A tese de ilicitude da prova devido ao ingresso ilegal no domicílio foi sustentada pela advogada Danielle Yara Nascimento Gonzaga. Ela é defensora do morador do apartamento onde as drogas foram supostamente apreendidas. A mesma linha defensiva foi adotada pelo advogado Tércio Neves Almeida. Ele representa os outros dois acusados que, segundo os policiais, também estavam no imóvel, mas fugiram momentos antes através de uma janela, sendo capturados na sequência.

O apartamento fica no terceiro andar. De acordo com os PMs, a dupla que escapou conseguir descer pela parte externa do prédio apoiando-se em aparelhos de ar-condicionado. Inicialmente, no boletim de ocorrência da própria PM, os policiais disseram que a dupla fugiu após escutar eles tocando a campainha do apartamento. Em juízo, os agentes contaram que, na realidade, a presença deles foi notada quando acionaram o interfone, localizado no térreo, na parte de fora do edifício.

A narrativa de que dois réus desceram pelos aparelhos de ar-condicionado instalados na parede externa do edifício foi afastada. Laudo pericial ilustrado por fotografias não apontou esses equipamentos na pretensa rota de fuga apontada pelos policiais. O próprio Ministério Público (MP) admitiu em suas alegações finais que o documento da perícia contraria a versão dos PMs, embora tenha postulado a condenação dos três réus pelos crimes de tráfico de droga e associação para o tráfico.


Foto: Reprodução/Vade News

Farda sem câmera

“A perícia, portanto, não confirma a existência de uma rota de fuga viável, contrariando a certeza afirmada pelos policiais”, destacou Danielle Yara. “Qualquer depoimento que seja inconclusivo, conflitante, duvidoso, não merece valoração, mesmo tratando-se de agentes públicos”, emendou Tércio Almeida. Com a observação de que o ônus da prova é da acusação, a julgadora avaliou que os depoimentos dos policiais militares não foram integralmente confirmados pelo conjunto probatório.

Os três réus negaram envolvimento com as drogas apreendidas. No caso específico do morador do apartamento, ele disse que estava sozinho no local e os PMs entraram sem interfonar ou tocar a campainha. Os demais acusados refutaram a versão de fuga do apartamento e alegaram que não portavam nada de ilícito ao serem abordados na rua. Um desses homens acrescentou não proceder o relato dos policiais de que ele teria dito haver grande quantidade de entorpecentes no imóvel.

Segundo os PMs, eles não usavam câmeras acopladas às suas fardas e foram ao apartamento checar “denúncia anônima” de que ali eram estocadas drogas. “Referidas constatações impedem a certeza acerca das circunstâncias fáticas e, por conseguinte, comprometem a legalidade do ingresso no domicílio pelos policiais militares. Em verdade, há dúvidas a respeito do que realmente aconteceu durante a diligência policial”, concluiu a juíza.

Liberdade provisória

Os acusados foram presos em flagrante no dia 23 de fevereiro de 2024. Após quase dez meses, em 4 de dezembro, a juíza lhes concedeu a liberdade provisória por excesso de prazo, porque a pendência de uma perícia impedia que eles fossem interrogados. Ao pedir a condenação do trio e a fixação da pena acima do mínimo legal, o MP justificou que a elevada quantidade de drogas e o fato de o tráfico ocorrer em conjunto habitacional geram potencial de risco a maior número de vítimas, além de insegurança aos moradores.

* Eduardo Velozo Fuccia / Vade News

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