Jacarés e bichos-preguiça nas cidades da Baixada Santista revelam impacto da perda de habitat
Por Beatriz Pires em 27/12/2025 às 07:00
Vídeos de animais silvestres circulando por áreas urbanas da Baixada Santista têm se tornado cada vez mais frequentes nas redes sociais. Nos últimos meses, ao menos três ocorrências chamaram a atenção na região e ilustram um fenômeno que, segundo especialistas, está diretamente ligado à perda de habitat, ao crescimento urbano desordenado e às mudanças climáticas.
Em novembro, um vídeo que circulou nas redes sociais mostrou um jacaré caminhando tranquilamente entre contêineres no Porto de Santos durante a noite. Procurada, a Autoridade Portuária de Santos (APS) informou que a presença desses animais não é incomum, já que a área portuária faz parte do habitat natural de diversas espécies, especialmente por estar inserida no ecossistema do estuário, com manguezais e áreas alagadas.
A APS orientou que ninguém tente capturar animais silvestres por conta própria e destacou que, em situações de risco para pessoas, para o próprio animal ou para as operações portuárias, a Autoridade Portuária deve ser acionada para que a Polícia Militar Ambiental realize a remoção adequada.
Já em dezembro, dois casos envolvendo bichos-preguiça geraram comoção. O primeiro aconteceu em São Vicente, quando um motorista do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) resgatou um bicho-preguiça que estava nos trilhos, em uma poça d’água, após uma forte chuva. O animal corria risco de ser atropelado e foi levado pelo condutor até um local seguro, onde pôde seguir seu caminho.
Poucos dias depois, outro bicho-preguiça foi resgatado no Morro da Nova Cintra, em Santos, após ser encontrado preso à fiação elétrica em um poste. Segundo o Corpo de Bombeiros, o animal estava em risco iminente de sofrer um choque elétrico ou cair na via. Após o resgate, ele recebeu os primeiros cuidados e foi devolvido ao seu habitat natural.
De acordo com a bióloga Isabela Nunes, do Instituto Ambieco, de Peruíbe, a Baixada Santista está inserida em uma das regiões mais ricas em biodiversidade do país, dentro do bioma da Mata Atlântica, o que por si só já explica a presença constante de fauna silvestre.
“A Baixada Santista, de maneira geral, é uma região privilegiada. Ainda temos fragmentos importantes de floresta, áreas de manguezal, água doce, água salgada e estuários. Essa diversidade de ambientes favorece a presença de várias espécies”, explica.
No entanto, segundo a especialista, o aumento dos registros não está relacionado ao crescimento da população desses animais, mas sim à perda progressiva de habitat. Outro fator que contribui para o aumento das ocorrências é o período reprodutivo de várias espécies, especialmente durante a primavera e o verão. Nessa época, é comum o surgimento de filhotes e animais jovens em áreas urbanas.
“No centro de triagem, percebemos um aumento muito grande de atendimentos, principalmente de filhotes. Aves que estão aprendendo a voar, gambás e saruês órfãos, muitas vezes porque as mães acabam sendo atropeladas e mortas”, relata Isabela.
As mudanças climáticas também têm papel direto nesse deslocamento. Chuvas mais intensas e períodos de alagamento podem forçar os animais a buscar áreas mais altas e secas, que frequentemente coincidem com zonas urbanizadas.
Embora a maioria dos animais silvestres não tenha comportamento agressivo, o contato direto pode representar riscos tanto para a população quanto para os próprios animais. A bióloga alerta que o manejo só pode ser feito por pessoas autorizadas e treinadas. Eles não gostam do contato humano e podem reagir com mordidas, bicadas ou movimentos bruscos.
“A legislação ambiental brasileira proíbe o transporte, captura ou manutenção de animais silvestres sem autorização, configurando crime ambiental. O ideal é sempre acionar o poder público: Polícia Militar Ambiental, Corpo de Bombeiros ou, em alguns municípios, guardas ambientais específicas”, explica a bióloga.
Segundo Isabela, apesar da fauna silvestre ser responsabilidade do Estado, muitos municípios ainda enfrentam dificuldades para lidar com esse tipo de ocorrência. Na Baixada Santista, cidades como Guarujá, São Vicente e Praia Grande já contam com equipes especializadas para esse tipo de ocorrência.
Por fim, a especialista destaca que a convivência harmônica entre humanos e animais silvestres é possível e necessária. Pequenas ações podem reduzir conflitos e salvar vidas. Colocar adesivos em vidraças para evitar colisão de aves, gerenciar melhor o lixo, guardar ração de animais domésticos durante a noite são algumas soluções simples.
“Eles dispersam sementes, controlam populações, mantêm o equilíbrio do ambiente. Precisamos buscar formas mais harmônicas de compartilhar o espaço”, conclui a bióloga.