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Vereador gaúcho é condenado por fazer discurso xenofóbico contra baianos

Por Eduardo Velozo Fuccia/Vade News em 15/05/2025 às 16:00

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A imunidade parlamentar material consagrada no artigo 29, inciso VIII, da Constituição Federal não constitui um salvo-conduto absoluto para o detentor do mandato político expressar quaisquer manifestações, independentemente de seu conteúdo. A ressalva foi feita pelo juiz Rafael Farinatti Aymone, da 3ª Vara Federal de Caxias do Sul (RS), ao condenar o vereador Sandro Luiz Fantinel, do Partido Liberal (PL), a pagar indenização de R$ 100 mil por dano moral coletivo devido a discurso xenofóbico contra os baianos.

Embora tenha reconhecido a inadequação da sua fala em sessão da Câmara de Caixas do Sul, transmitida pelo YouTube, o político sustentou que se manifestou sob o manto da imunidade parlamentar, destinada a garantir a inviolabilidade dos vereadores por suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato e na circunscrição do município. Fantinel também alegou que reconheceu o seu erro e pediu desculpa publicamente, o que, na realidade, só ocorreu após a repercussão negativa do caso.

Porém, o juiz afastou a imunidade pela falta de nexo entre fala e a função de vereador. “O conteúdo do discurso não se direcionava à apresentação, discussão ou crítica de projetos legislativos, políticas públicas ou questões relacionadas à fiscalização do Poder Executivo – atividades que constituem o núcleo essencial das funções parlamentares. Ao contrário, o vereador limitou-se a manifestar posicionamento estritamente pessoal sobre trabalhadores baianos resgatados em situação análoga à escravidão”.

“Gente lá de cima”

As declarações de Fantinel ocorreram em 28 de fevereiro de 2023. Ao ocupar a tribuna da Câmara, ele iniciou criticando operação conjunta realizada seis dias antes pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Ministério Público do Trabalho (MPT), Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal. A força-tarefa resultou no resgate de mais de 200 pessoas em condições degradantes na colheita da uva em Bento Gonçalves, município da região da Serra Gaúcha, assim como Caxias do Sul.

Na sequência, o réu aconselhou donos de fazenda e empresas agrícolas: “Não contratem mais aquela gente ‘lá de cima’”. Ele também recomendou aos empregadores que passassem a contratar apenas argentinos, pois são “limpos, trabalhadores, corretos, cumprem o horário, mantêm a casa limpa e no dia de ir embora ainda agradecem ao patrão”. Como contraponto, disparou: “Agora com os baianos, que a única cultura que eles têm é viver na praia tocando tambor, era normal que fosse ter esse tipo de problema”.

Sem abandonar o tom inicialmente adotado, o vereador encerrou o seu pronunciamento com a seguinte frase: “Que isso sirva de lição, que deixem de lado aquele povo que é acostumado com Carnaval e festa para vocês não se incomodarem”. Para o julgador, houve manifestação unilateral discriminatória a um grupo específico de cidadãos em razão de sua origem geográfica, o que se afasta completamente das finalidades institucionais do mandato parlamentar.

“As declarações do vereador Sandro Luiz Fantinel ultrapassaram os limites do debate político legítimo, assumindo caráter manifestamente xenofóbico e discriminatório. Ao recomendar explicitamente a não contratação de trabalhadores oriundos ‘lá de cima’ (referindo-se aos nordestinos, especialmente baianos), o vereador não apenas extrapolou as prerrogativas de seu mandato, como incitou práticas discriminatórias no mercado de trabalho com base na origem regional”, frisou Aymone.


Foto: Divulgação

Discurso de ódio

O juiz classificou a fala do vereador como “discurso de ódio”, incompatível com os princípios constitucionais da igualdade, da dignidade da pessoa humana e da não-discriminação, pilares fundamentais do Estado Democrático de Direito. Segundo ele, a manifestação na tribuna da Câmara gerou inequívoco dano moral coletivo, porque transcendeu a esfera individual, atingindo valores e interesses fundamentais de um grupo, classe ou comunidade, ou mesmo de toda a sociedade.

O julgador arbitrou a indenização em R$ 100 mil por considerar essa quantia suficiente para exercer as funções punitiva e pedagógica da responsabilidade civil, sem comprometer a subsistência do réu, respeitando sua condição econômica. Como garantia do pagamento, ele manteve a tutela de urgência anteriormente deferida, relativa à restrição de transferência dos veículos e à indisponibilidade dos bens imóveis do vereador, até o integral cumprimento da condenação.

A sentença foi prolatada no âmbito de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal e de outras três demandas do gênero propostas pelas seguintes entidades: Federação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Rio Grande do Sul, Associação Cultural Raízes D’África Mundi, Casa Africana Reino de Oxalá, Associação Cultural Sawabona Shikoba, Francisco de Assis – Educação, Cidadania, Inclusão e Direitos Humanos, Instituto de Advocacia Racial e Ambiental (Iara) e Centro Santo Dias de Direitos Humanos da Arquidiocese de São Paulo. Por versarem sobre o mesmo fato e contra a mesma pessoa, os processos foram reunidos.

* Por Eduardo Velozo Fuccia / Vade News

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