21/12/2025

Arsenal de Lula para 2026 tem R$ 80 bi fora da meta fiscal e aumento da dívida pública

Por Fernando Canzian/Folhapress em 21/12/2025 às 17:11

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva preparou ao menos uma dezena de medidas de renovação ou ampliação de programas via aumento de gastos e do crédito para 2026, quando o petista pretende disputar um quarto mandato à Presidência da República.

Parte das ações ficará de fora da meta fiscal, mas aumentará a dívida pública. No conjunto, as medidas chegam a mais de R$ 220 bilhões, boa parte incluindo créditos privados. Mas mais de um terço do total deve ficar de fora do cálculo de déficit primário do governo (que exclui a conta de juros da dívida).

Com isso, o governo deve repetir em 2026 o mesmo padrão desde 2024, depois de aprovar em 2023 o chamado arcabouço fiscal para controle das contas públicas. Segundo a IFI (Instituição Fiscal Independente, do Senado), as despesas excluídas da meta fiscal somarão R$ 170 bilhões sob Lula 3, incluindo as estatais.

Algumas iniciativas, como o Gás do Povo e crédito parcialmente subsidiado para moradias, devem ficar de fora do arcabouço fiscal -mas aumentar a dívida- e ter efeitos positivos nos eleitores.

O aumento da despesa pública em anos eleitorais tem sido praxe no Brasil para a melhora na avaliação do presidente candidato à reeleição ou de alguém de seu partido. Mas o governo Lula vem buscando, desde que assumiu, caminhos heterodoxos para subir o gasto sem que isso fique evidente no resultado final das contas públicas.

Para 2026, o arcabouço fiscal prevê resultado positivo equivalente a 0,25% do PIB (Produto Interno Bruto). Como há margem de tolerância de 0,25%, para mais ou para menos, muitos analistas esperam resultado primário zero em 2026 -o que abriria ainda mais espaço para gastos no ano eleitoral.

A Folha de S.Paulo pediu esclarecimentos ao Ministério da Fazenda sobre os valores que ficarão de fora da meta de resultado primário e sobre qual seria o resultado oficial perseguido em 2026 (zero ou 0,25% do PIB), mas não houve resposta.

Segundo cálculo da consultoria BRCG, as exceções à meta de resultado primário do governo federal devem somar 0,6% do PIB no ano que vem (cerca de R$ 80 bilhões, incluindo estatais). O valor é próximo à estimativa da IFI: R$ 88,5 bilhões.

Embora isso não seja computado na meta fiscal de 2026, o valor aumentará (junto com os juros pagos) a dívida pública, que deve crescer cerca de 10 pontos percentuais sob Lula 3, para cerca de 82,5% como proporção do PIB.

Com exceção da China (país com alta taxa de poupança interna, o que permite endividamento maior), o Brasil carrega a maior dívida pública bruta entre os emergentes, segundo o Fundo Monetário Internacional.

“O regime fiscal atual, criado para conter o aumento da dívida, é insustentável, com mudanças permanentes nas regras. Atores econômicos relevantes abandonaram o acompanhamento do arcabouço e fundamentam suas decisões na dinâmica da relação dívida pública/PIB”, diz Marcos Pestana, diretor-executivo da IFI.

Para 2026, segundo cálculos da BRCG, há um arsenal de R$ 220,9 bilhões de medidas não orçamentárias (públicas e privadas) tomadas neste ano. Mais de R$ 80 bilhões são exceções à meta de resultado primário do ano que vem do arcabouço fiscal.

“Com dificuldade para cumprir a regra fiscal, há incentivos à criação de exceções e práticas contábeis ‘criativas’, e o governo não fornece informações de forma clara. No final, age como se fosse ‘para inglês ver’, tornando as metas mera formalidade”, afirma Matheus Ribeiro, economista da BRCG.

Pelos cálculos da consultoria, por exemplo, operações garantidas com os chamados fundos privados (criados durante a pandemia) devem totalizar R$ 102 bilhões. Quando foram criados, no entanto, o valor desses instrumentos deveria voltar para o Tesouro após o fim da crise sanitária -o que não ocorreu.

Segundo Ribeiro, é pouco transparente a forma como esse dinheiro é usado, o que dificulta o cálculo de possíveis déficits ocasionados nessas operações.

De olho na agenda de gastos para 2026, o banco britânico Barclays elencou dez medidas qualificadas como “expansionistas”. No total, somam R$ 225 bilhões (praticamente o estimado pela BRCG) e cerca de 80% serão extraorçamentárias ou envolverão financiamentos privados, como linhas de crédito subsidiadas para habitação.

Embora não apareçam incorporadas às regras fiscais, algumas ações aumentam a dívida pública. Caso do Reforma Casa Brasil, que usará recursos do chamado Fundo Social e terá estimados R$ 7,3 bilhões para praticar juros subsidiados pelo governo federal.

Segundo Roberto Secemski, economista-chefe para o Brasil no Barclays, porém, a medida com maior potencial para aumentar a atividade foi a aprovação da isenção total do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5.000 (e parcial até R$ 7.350). Ela beneficia 15,5 milhões de pessoas.

Alguém que hoje ganha R$ 5.000 ao mês terá um acréscimo na renda de mais de R$ 4.000 no ano sem o IR. “É uma parcela da população que tem maior propensão ao consumo”, diz Secemski.

Ele considera o conjunto de medidas expansionistas “um fator que demanda atenção”. Pois, ao ter potencial de aquecer a economia, com impactos inflacionários, isto pode restringir o espaço para a queda dos juros em 2026. A taxa básica do BC, a Selic, está em 15% ao ano.

Pestana, da IFI, afirma que do ponto de vista da tendência inflacionária há, até aqui, elementos para a redução dos juros. “O problema é que o esforço fiscal necessário para estabilizar a dívida pública hoje equivale a um superávit primário anual de 2,3% do PIB [R$ 270 bilhões]. Mas, ao contrário, o país tem produzido déficits desde 2014”, afirma.

Sem superávit para conter a dívida, a tendência é que investidores que compram títulos do governo para financiar os déficits exijam juros maiores do Tesouro, limitando o espaço para a redução. Só neste ano será pago a quem financia o governo R$ 1 trilhão em juros da dívida pública bruta, que já alcança quase 10 trilhões.

loading...

Este site usa cookies para personalizar conteúdo e analisar o tráfego do site. Conheça a nossa Política de Cookies.