Denúncias contra Caps do Rio Branco expõem abandono de pacientes com transtornos mentais
Por Santa Portal em 10/06/2025 às 10:00

O Caps (Centro de Atenção Psicossocial) do bairro Jardim Rio Branco, na Área Continental de São Vicente, tem sido alvo de denúncias por parte de pacientes e familiares. As queixas incluem negligência, mau atendimento, falta de acompanhamento médico, suspensão de medicamentos e interrupção no fornecimento de remédios essenciais para o controle de transtornos mentais.
Uma mulher, que preferiu não se identificar, relata que seu esposo, paciente da unidade desde 2020, está há mais de dois meses sem acompanhamento médico. A última consulta ocorreu em 22 de março e, desde então, ele está sem três das cinco medicações que toma regularmente, pois precisa da receita atualizada para retirá-las.
“Meu esposo está tendo picos de surto porque está sem as três medicações principais. Mesmo havendo médicos na unidade, eles não atendem todos os pacientes. O médico que o acompanhava atendia mais de 60, 80 pessoas por dia”.
Ela afirma que, após a saída do psiquiatra que acompanhava o marido, o Caps informou que havia uma empresa terceirizada responsável por contratar os profissionais, mas que os médicos não aceitavam trabalhar na unidade. “Disseram para mim que os médicos não querem vir por conta de supostas reformas no local. Mas isso é mentira. Pode ir lá ver com os próprios olhos”, desabafa.
Segundo a mulher, quando a medicação não está disponível, não há orientação clara sobre o que fazer, e a solução apresentada pelos profissionais do Caps é simplesmente “se virar”. Em muitos casos, os pacientes ficam sem a medicação por longos períodos, por não terem uma receita válida.
“Por mais que ele não seja agressivo, ele fica muito agitado. Se ele não precisasse das medicações, o psiquiatra não as teria prescrito. Mas ele precisa. E não tem ninguém para atendê-lo”.
Dificuldade para renovar receitas
De acordo com a denunciante, mesmo diante da gravidade do caso, a única solução oferecida pela unidade foi que ela deixasse os documentos do paciente no Caps para que o prontuário fosse encaminhado à Secretaria de Saúde, que tentaria providenciar uma nova receita com outro psiquiatra.
“Ela me disse: ‘Venha aqui um dia à tarde que tentamos encaixar seu esposo com outro médico’. Mas eu trabalho à tarde, das 13h às 20h, e não tenho ninguém para me substituir. Aí ela sugeriu que eu deixasse os documentos e voltasse no dia seguinte à tarde para pegar a receita. Mas eu só posso ir de manhã”.
Contudo, ela questiona por que os médicos da unidade não emitem a receita diretamente. “Se é só mandar para a secretaria, por que não fazem logo isso? Já faz mais de uma semana que meu marido está sem medicação”.
Entre os medicamentos essenciais para o paciente estão Carbolitium, Depakene e Fluoxetina, todos fundamentais para estabilizar seu quadro clínico. Além disso, ele também depende de Quetiapina e Risperidona, fornecidos pelo AME (Ambulatório Médico de Especialidades) de Santos, mas que só podem ser retirados com receita médica válida. “Eles retêm a receita. Não tem como comprar sem ela, e, em muitos casos, as farmácias pedem até laudo. Sem isso, a gente fica sem saída”.
A mulher conta que, em crises mais graves, precisou recorrer ao pronto-socorro, onde o paciente foi medicado de forma emergencial. “Na última vez, ele tomou duas injeções lá. Ficou estabilizado por um tempo, mas agora está sem remédios novamente. Isso não é solução. Ele precisa de tratamento contínuo, acompanhamento e medicação diária”.
Estrutura precária
Outro ponto crítico relatado são as condições estruturais do Caps do Rio Branco. Segundo a familiar, o estado do prédio está longe de justificar a ausência de médicos. “Disseram que tem reforma, mas isso não existe. A estrutura está caindo aos pedaços. Pode ir lá ver. Só se hoje colocaram alguém para pintar ou fingir que está tendo manutenção”.
A alta rotatividade de profissionais e a descontinuidade do atendimento são recorrentes. Desde 2020, o paciente já passou por quatro psiquiatras diferentes. Atualmente, segundo a Prefeitura, apenas dois médicos permanecem na unidade como referência fixa. Um terceiro se desligou recentemente, e o substituto também pediu afastamento há cerca de 20 dias.
“Além do espaço não estar conservado, a gente não tem acompanhamento psicológico ou psiquiátrico adequado. Os atendentes, salvando algumas exceções, são mal-educados. Quando um médico sai, os pacientes ficam completamente desassistidos. E somos nós, as famílias, que temos que correr atrás sozinhas, mesmo sem saber o que fazer. Parece que a cidade não se importa com quem tem transtorno mental”, completa.
O que diz a Prefeitura?
A Prefeitura de São Vicente, por meio da Secretaria da Saúde (Sesau), informa que o Caps II Jardim Rio Branco conta, atualmente, com três médicos psiquiatras em sua composição para atendimento da população com transtornos mentais, prioritariamente severos e persistentes, moradores da Área Continental do município.
No ano de 2025, dois médicos permanecem como referência fixa da unidade, sendo responsáveis pela continuidade do cuidado de seus pacientes. Um terceiro profissional desligou-se da função, sendo substituído posteriormente. No entanto, o substituto também solicitou desligamento há cerca de 20 dias.
A Secretaria comunica que não há um quadro característico de rotatividade na unidade, uma vez que dois médicos permanecem estáveis, sendo um servidor concursado e outro contratado pela empresa terceirizada prestadora do serviço. A alternância refere-se ao terceiro posto, cuja vaga foi ocupada por dois profissionais distintos, que optaram por não permanecer na função após breves períodos.
A prestação de serviços médicos na unidade é de responsabilidade da empresa terceirizada vencedora do processo licitatório, encarregada de garantir a cobertura das necessidades da unidade em relação aos profissionais médicos. Atualmente, a Sesau e a prestadora encontram-se em processo de readequação do quadro médico, com exigência formal de reposição imediata por parte da prestadora, incluindo a adoção de medidas contratuais cabíveis para assegurar a resolutividade do serviço.
Os profissionais da equipe multiprofissional do Caps II são capacitados para o atendimento de munícipes com transtornos mentais, sendo continuamente incentivados a adotar práticas de acolhimento humanizado, escuta qualificada e empatia, em conformidade com os princípios da atenção psicossocial, visto que um dos pilares do atendimento nesta área é a construção de vínculos.
Com relação à parte estrutural, a Secretaria comunica que reparos na infraestrutura da unidade estão sendo realizados, com o objetivo de garantir condições adequadas para os usuários e profissionais do serviço. Além disso, há um projeto em andamento para a construção de uma nova unidade do Caps III Jardim Rio Branco, a ser instalada no terreno ao lado do atual.