Este site usa cookies para personalizar conteúdo e analisar o tráfego do site. Conheça a nossa Política de Cookies.

05/06/2025

Novo disco de Rubel propõe reflexão sobre o tempo e a existência com trilha sensível e plural

Por Beatriz Pires em 05/06/2025 às 16:00

Créditos: Bruna Sussekind
Créditos: Bruna Sussekind

Novo álbum de Rubel, intitulado de Beleza. Mas agora a gente faz o que com isso?, marca um retorno introspectivo do artista carioca às suas raízes musicais, após a experimentação plural de seu trabalho anterior, As Palavras Vol. 1 & 2. Este quarto disco é composto por nove faixas que exploram temas como tempo, amor, amizade, espiritualidade e a dualidade entre vida e morte. Rubel descreve o título como uma frase em movimento, aberta a múltiplas interpretações, refletindo a complexidade e as incertezas da existência.

Entre os destaques do álbum estão Pousada Paraíso, Ouro, com influências de Jorge Ben e Marvin Gaye, e Azul, Bebê, uma canção de amor que combina elementos de hip hop e MPB. O álbum também inclui uma versão em português de A la ventana, Carolina, do mexicano El David Aguilar, intitulada A Janela, Carolina, além de uma reinterpretação de Reckoner, do Radiohead, encerrando o disco com uma homenagem às influências internacionais de Rubel.

Complementando o lançamento, um filme de seis minutos dirigido por Larissa Zaidan foi disponibilizado simultaneamente. Em entrevista ao Santa Portal, Rubel contou sobre inspirações, evolução na carreira e uma possível vinda para Santos com sua próxima turnê.

Como você chegou nesse título para o álbum e como ele te guiou ao longo da trajetória de gravação e de composição?

Queria um título que fosse provocativo, estranho, que despertasse algum sentimento de… ‘O que é isso, afinal?’ Algo que deixasse as pessoas curiosas e instigadas a querer entender e escutar. Agora, sinceramente, eu não lembro se o título veio antes ou depois das composições. Acho que o disco já estava mais ou menos pronto quando o título apareceu.

Ele acabou sendo um resultado do próprio trabalho finalizado. Amarrava conceitualmente o que o disco representava, porque é um trabalho meio estranho, que faz muitas perguntas, bastante aberto à interpretação. Tem também esse caráter literário — estamos falando de um álbum que brinca bastante com as palavras — e eu acho que esse título ajuda a dar o tom de estranheza, mas também de algo um pouco pop, que o disco carrega.

Você fala muito que é um tom de estranheza, mas pra você, o que é esse tom de estranheza?

Não é muito comum um título de disco vir com uma pergunta, ou trazer duas frases — sendo que o ponto final ali marca a transição de uma pra outra. E também não é comum um título tão grande assim. Então, só por isso ele já me soa meio esquisito.

Mas “esquisito”, pra mim, é um adjetivo mais elogioso do que pejorativo. Eu realmente acho esse título esquisito — e gosto disso.

Você veio agora com uma pegada mais intimista, à base de voz e violão, que é o contrário do seu último álbum, As Palavras Vol. 1 & 2. O que motivou esse retorno ao estilo?

Acho que não teve nenhum acontecimento pessoal específico que tenha me guiado nessa trajetória. Foi muito pela própria jornada profissional e musical mesmo. Comecei num lugar muito íntimo, no primeiro disco, depois fui explorando uma sonoridade mais de banda, com beats, dialogando com o hip hop… e no terceiro disco fui ainda mais longe, experimentando muitas sonoridades — pagode, funk. Então, me pareceu natural que em algum momento voltasse para o início.

Mas não é um retorno igual. Esse disco remete ao meu trabalho inicial, sim, mas ele já está muito afetado por tudo o que vivi nos outros projetos. Carrega influências do estudo da música brasileira que aprofundei em As Palavras, da produção que explorei em Casas… então, acho que é um caminho natural dentro da minha própria evolução musical.

Depois de um disco tão grandioso e cheio de camadas, me deu saudade de fazer algo mais amarrado, com uma única cara. Quis um álbum que soasse como se fosse uma música só, desmembrada em nove faixas. Eu sentia falta dessa produção menor, mais artesanal. É como voltar pra casa — mas voltar um pouco diferente. A casa pode até ser a mesma, mas eu mudei um pouquinho.

Quais artistas te influenciaram na produção desse disco e no seu conteúdo como artista mesmo?

Esse disco tem uma inspiração muito forte na MPB dos anos 1960 e 1970. João Gilberto é, sem dúvida, a referência central — por essa estrutura minimalista de voz e violão que ele domina como ninguém. Ele é o mestre absoluto desse formato. Além dele, tem o Caetano Veloso, Jorge Ben Jor, a teatralidade do Gilberto Gil, Chico Buarque… São figuras fundamentais. É quase impossível não se apoiar neles quando se busca beleza e profundidade na canção. Eles moldaram o que há de mais sofisticado e expressivo na música brasileira.

Foram esses nomes que mais influenciaram a estética do disco — tanto na escolha das harmonias quanto na forma de construir as letras. Existe um diálogo direto com esse universo sonoro mais clássico da MPB, que sempre me encantou.

Mas não foi só a sonoridade que me tocou. A postura artística também me inspirou muito, especialmente a do João Gilberto. Ele tinha uma relação muito íntegra com a própria arte — não se deixava guiar por modismos ou expectativas de mercado. E eu quis adotar esse mesmo espírito aqui. Não fiz esse álbum pensando se ele ia estourar ou não, se estaria de acordo com o que está em alta ou com o que vende mais. Segui minha intuição, meu ouvido, meu coração.

Acho que essa liberdade criativa é algo que une todos esses artistas que mencionei. E João, mais do que ninguém, sustentava isso com coragem. Ele fazia o que acreditava, com identidade e profundidade, mesmo que isso não o tornasse comercial. É claro que eu torço para que o disco alcance muita gente — todo artista quer ser ouvido. Mas o que me moveu foi a verdade do processo. O sucesso, se vier, será uma consequência.

Houve algum acontecimento pessoal ou leitura que inspirou as músicas sobre tempo, amor e espiritualidade?

Não sei se houve uma obra específica que tenha me inspirado diretamente, mas algumas aparecem no disco de forma clara. Resposta ao Tempo, do Aldir Blanc, por exemplo, foi uma referência direta — uma canção que já é, por si só, um diálogo com o tempo.

Tem também um conto do Borges que influenciou indiretamente a faixa Praticar a Teimosia. Ele narra a história de uma cidade onde as pessoas se tornam imortais. A princípio, isso parece um privilégio: ter a eternidade para aproveitar. Mas, na prática, eles se tornam apáticos, infelizes, entediados com a ausência de fim. A vida perde o sabor justamente porque não há mais limites. É uma inversão interessante da ideia de que a imortalidade seria desejável. Acaba revelando que viver bem é muito mais valioso do que simplesmente viver para sempre. Não lembro o nome do conto agora, mas ele ficou bastante presente no processo.

De forma geral, porém, esses temas surgiram das minhas próprias vivências. O disco é atravessado por experiências reais — relações, amizades, aprendizados, inquietações. Por mais que existam referências de outros artistas, o conteúdo é muito pessoal. Reflete o que significa estar aqui, agora, com 33 ou 34 anos, tentando entender um pouco mais sobre o tempo, o amor e a existência.

Recentemente você passou por uma cirurgia bastante delicada. Você sente que esse momento da vida influenciou no seu trabalho de alguma forma?

Acho que sim. Foi um momento que mexeu profundamente comigo — com a minha vida e, especialmente, com a forma como eu enxergo a morte. Situações assim fazem a gente repensar muita coisa: como queremos viver, o que realmente importa, quais são as nossas prioridades, com quem a gente quer dividir o nosso tempo — que é tão precioso. E esse disco nasce muito dessas reflexões.

De alguma forma, todas essas questões atravessam o álbum. Não tem como passar por algo tão intenso e sair igual do outro lado. Isso te transforma. E quase todas as músicas surgiram logo depois desse período, então é inevitável que esse processo tenha influenciado não só o conteúdo, mas também o tom do disco.

Além das autorais, você incluiu a regravação de Reckoner, do Radiohead, além de uma versão livre de uma canção mexicana. Queria que você contasse qual lugar essas músicas ocupam na sua vida e como foi trazê-las para o seu universo sonoro?

Estou muito feliz com o resultado de Reckoner. É uma música originalmente do rock alternativo, mas ela se encaixou de maneira surpreendente nesse meu universo mais voltado à MPB. A roupagem de violão, cordas e voz trouxe uma nova dimensão pra ela — e foi a primeira vez que gravei uma faixa inteira em falsete, o que foi um desafio gostoso de experimentar. É uma canção que me acompanha desde a adolescência, sempre amei muito. Tem esse tom melancólico, um pouco triste, mas ao mesmo tempo esperançoso… me sinto em casa com esse tipo de repertório.

Já a outra faixa, do David Aguilar, também tem tudo a ver com o espírito do disco. Fala sobre temas muito presentes no álbum — tempo, existência, espiritualidade. É uma música originalmente em espanhol, que traduzi há muitos anos, esperando o momento certo para gravar. E agora, finalmente, ela encontrou o seu lugar. Ela tem essa pegada folk, bem próxima da estética voz e violão que norteia o trabalho como um todo, e acho que ajuda a fechar o disco de forma muito bonita, como se fosse a peça que faltava pra costurar essas reflexões sobre a vida.

Além das músicas do álbum, você lançou um curta-metragem. Como as músicas se relacionam com o filme e como surgiu essa ideia?

Convidei a Lari Zaidan, diretora de São Paulo, para criar algum material audiovisual para o disco, e ela teve a ideia de desenvolver um curta-metragem. Não é exatamente um clipe, porque não ilustra uma música específica — é mais narrativo, como se fosse um filme inspirado pelo disco como um todo.

A criação é inteiramente dela. A Lari ouviu o álbum várias vezes e, a partir das músicas, imaginou personagens, cenas e sensações que se transformaram nesse roteiro. O filme conta a história de algumas pessoas que vivem em Cubatão, e é muito bonito ver como ele se conecta com o disco de forma sutil — não explicando ou traduzindo as canções, mas como uma espécie de universo paralelo. Trechos das músicas aparecem, sim, pontuando a narrativa, mas o curta tem vida própria.

E foi tudo filmado em 35mm, em película, o que trouxe uma textura linda. A ideia é que o álbum e o filme sejam uma experiência conjunta — que se escute o disco e se assista ao curta como partes de uma mesma obra.

Vocês gravaram o clipe em Cubatão. É aqui do lado. Como foi gravar na Baixada Santista?

Pensei nisso enquanto falava, imaginei que fosse perto! Infelizmente, não consegui ir até Cubatão, embora quisesse muito. O filme foi rodado parte em São Paulo e parte lá, e como não tinha disponibilidade nas datas, gravei apenas a minha parte em São Paulo.

Mas Cubatão me lembra muito minha cidade natal, Volta Redonda — que tem uma usina siderúrgica, aquela névoa constante, a poluição que, de certo modo, tem uma estética própria. Existe uma beleza naquele feio. Mesmo sem ter ido, sinto uma conexão. E as imagens que vi de lá ficaram realmente lindas.

Como você vê sua evolução artística desde o álbum Pearl até este novo trabalho?

Já se passaram alguns anos, né? Acho que a maior mudança foi ter conseguido construir um público e encontrar meu espaço dentro desse mercado tão maluco que é o da música. Hoje, sei que existe um público que se identifica com o que eu faço, que gosta dessa mistura de MPB com pop e indie — e dentro desse universo, venho explorando diferentes possibilidades.

A cada disco, procuro experimentar algo novo. O Pearl era bem pequeno, mais folk. No segundo, me arrisquei com o hip hop, em parcerias como a com o Emicida. No terceiro, me joguei em colaborações diversas, com o Xande de Pilares, MC Carol, Mito Nascimento… E esse novo trabalho é como uma síntese de tudo isso. Minha carreira tem sido marcada por essa vontade de me desafiar, de testar possibilidades e fazer pontes com gêneros que vão além da MPB — como rap, pagode, funk.

Sou apaixonado pela música brasileira como um todo, por produzir, por pensar formas de criar algo novo ou dar um toque pessoal a algo que já existe. Estou sempre batendo cabeça, experimentando, contando minhas histórias, tentando dialogar com quem me ouve. É muito bonito ver pessoas que me acompanham desde 2016, e que hoje vão aos shows com seus filhos. É esse tipo de conexão que me move, e espero poder continuar fazendo isso por muitos anos.

O que você espera que as pessoas sintam ou levem após ouvir o álbum?

Eu não penso tanto em mensagem ou recado direto, porque isso limitaria a experiência. Esse disco nasceu mais como uma tentativa de me entender naquele momento. Foi um jeito de olhar para dentro, transformar sentimentos em algo bonito, em algo que me despertasse esteticamente.

Vejo o álbum quase como um quadro — ele é feito para ser escutado com calma, para provocar sensações, mais do que transmitir ideias racionais. Ao contrário de outros discos meus, esse é muito menos cerebral e mais emocional. A intenção é que cada pessoa possa se conectar com ele de maneira única, que misture minha emoção com a dela e crie algo novo. É mais uma experiência sonora do que uma narrativa com começo, meio e fim.

Tem planos de trazer a turnê do novo álbum para a Baixada Santista?

Já toquei em Santos uma vez e amei! Gosto muito de tocar no litoral. Fiz isso bastante em 2017 e 2018 — viajamos muito naquela época. Agora, estamos começando os shows pelas capitais, então ainda não tenho uma data fechada para ir à Baixada, mas quero muito voltar. Espero que isso aconteça em breve.

Por fim, quais são os cinco álbuns que mais te influenciaram?

Amoroso e Brasil, do João Gilberto, Fina Estampa, do Caetano Veloso, What’s Going On, do Marvin Gaye, e Sketches of Spain, do Miles Davis. Acho que esses cinco discos são o panorama que gerou esse último disco que fiz. 

loading...