Legado do samba na Baixada Santista inspira nova safra de músicos
Por Beatriz Pires em 02/12/2025 às 10:00
A Baixada Santista é berço de grupos de samba conhecidos nacionalmente, mas muita gente não sabe. Hoje, esse cenário, marcado por grupos consolidados e novos intérpretes, se apoia em uma história construída ao longo de quase um século. No Dia Nacional do Samba, celebrado nesta terça-feira (2), essa trajetória ganha ainda mais força.
O ponto de partida dessa história está no porto. Foi nos anos 1930 que trabalhadores vindos do Rio de Janeiro e da Bahia desembarcaram em Santos trazendo práticas musicais que já circulavam nas duas capitais, com repertórios e formas de tocar que influenciaram músicos locais. De acordo com o historiador Wallace Seixas, esse fluxo migratório moldou a base do que viria a se tornar o samba na Baixada Santista.
“A partir da metade dos anos 1940, o movimento se fortalece nos clubes e nos bailes. Nesse mesmo período surgiram as primeiras escolas da cidade. A X-9 foi fundada em 1944 e, alguns anos depois, em 1949, nasceu a Escola de Samba Brasil”, explica Seixas.
O salto criativo dos anos 1970 e 1980
As décadas de 1970 e 1980 representam o primeiro grande ponto de virada do samba na Baixada Santista. O pesquisador e diretor do projeto Baixada Sambista, Alexandre Cortez, explica que foi nesse período que o ambiente cultural da região se tornou fértil para manifestações artísticas, impulsionadas diretamente pelo que acontecia nas rodas do Rio de Janeiro e de São Paulo, o que abriu caminho para a formação dos primeiros grupos que marcaram época na Baixada.
Essas referências trouxeram novos métodos. No Rio, o surgimento do grupo Fundo de Quintal modernizou o samba ao criar novas soluções para a roda. Entre os integrantes o vicentino Sombrinha, que marcou época no grupo entre 1978 e 1993.
“Pegaram o banjo americano e cortaram o braço… o som era muito mais forte para tocar sem ligação elétrica. Criaram o repique de mão e o tam-tam”, destaca Ricardo Peres, integrante do Grupo Tempero, um dos pioneiros do ritmo da região.

O cantor Luiz Américo, autor do grande sucesso Camisa 10, que citava a seleção tricampeã de 1970, foi o primeiro a ganhar projeção fora da Baixada Santista. Peres e Seixas reforçam esse impacto ao lembrar que Américo já arrancava audiência em programas de TV e inspirou outros músicos. No mesmo período surgiu o Coisa e Tal, grupo que se tornaria um divisor de águas na cena santista. Com Clóvis Santana, Santaninha, Rubens Gordinho e Barbosinha, o quarteto passou a entregar composições que atravessam gerações.

Segundo Rubens Gordinho, as primeiras rodas surgiram de forma orgânica: encontros nos bairros, pagodes improvisados em fundos de bares, clubes sociais e quadras de escola de samba. Alguns desses espaços passaram a atrair não só músicos, mas famílias inteiras, o que ajudou a consolidar o samba na região.
Foi nesse contexto que nomes como Tempero, Família, Improviso, Matéria Prima, Feitiço e Reboliço se tornaram sucesso. Esses grupos não só absorveram o que vinha de fora, mas construíram um modo próprio de cantar a Baixada Santista.

Tempero em projeção nacional
No caso do Grupo Tempero, Peres explica que a história começou dentro da quadra da União Imperial, nos anos 1980, ainda de forma amadora. Eles criaram o Temperos Bar e ajudaram a firmar o samba na noite santista ao ampliarem a presença nos bares, casas noturnas e clubes, criando uma cena competitiva. Mesmo assim, o samba enfrentava dificuldades para circular nos grandes meios.
“As rádios não tocavam samba. Quem quebrou essa barreira foi a Eliana Dilipa, com Umdererê, e depois o Raça Negra. A partir daí, no começo dos anos 1990, veio a explosão”, lembra Ricardo Peres.
O grupo só conseguiu gravar o primeiro disco em 1991, e de maneira independente. Foi apenas depois desse esforço inicial que vieram as portas das grandes gravadoras. A partir daí, o Tempero deslanchou, Vem Amar, de César Rodrigues, foi o primeiro sucesso a estourar no Brasil, seguido pelo maior hit da carreira, Vida de Amantes, também de Rodrigues.
Rodrigues e o próprio Peres também passaram a emplacar músicas gravadas por outros artistas, ampliando o alcance da Baixada Santista no mercado nacional. Peres destaca que compôs faixas como Louca Paixão e O X da Questão gravadas por nomes como Exaltasamba e Mauro Diniz.
A explosão dos anos 90 e 2000
Esse ciclo de influência abriu caminho para a explosão dos anos 1990 e 2000, que consolidaram uma nova leva de músicos que cresceu assistindo de perto o impacto dos pioneiros.
O Karametade nasceu no início dos anos 1990. Com a voz de Vavá em destaque, o grupo estourou com hits como Morango do Nordeste, single que alcançou o topo das paradas — além de Decisão, Nunca Vou Deixar Você, Toda Mulher e Louca Sedução, que ajudaram o grupo a consolidar a identidade do pagode romântico dos anos 1990.

O pagode universitário ajudou a renovar o público e ampliar repertórios. Nomes como Ginga Brasileira, Da Melhor Qualidade, Improviso, Rafa Laranja, Sandro Simões, Didi Gomes, Marcelo Saúva, Beto do Reco e grupos como Mistura, Quintessência e Mixtinho passaram a ter continuidade.
Uma nova geração do samba na Baixada Santista
Entre essas iniciativas está o próprio Baixada Sambista, que anualmente reúne músicos, compositores e intérpretes em um registro audiovisual que funciona como vitrine e arquivo histórico. Essa atmosfera permitiu o surgimento de grupos de identidade própria, como o Ex é Ex, hoje um dos nomes mais populares do pagode santista.
“Nasci no samba. Sou filho do Zinho, do Tempero, cresci vendo meu pai no Gugu, no Faustão, na rua tirando foto com todo mundo. Eu pedia pandeiro ao invés de carrinho. Não teve jeito, a fruta não caiu longe do pé”, lembra Renanzinho, vocalista do Ex é Ex.
Criado na União Imperial, onde o pai era puxador, Renanzinho conta que a profissionalização veio na adolescência, quando passou a acompanhar o pai nas apresentações e, depois, trabalhar como músico em bandas de apoio de grupos da Baixada Santista e de nomes conhecidos nacionalmente. A ideia de cantar veio do incentivo do público.
Em 2017, ao lado de amigos, criou o Ex é Ex a partir de uma feijoada semanal que ganhou corpo até se transformar em projeto fixo. Logo, vieram convites para casas renomadas da região e de São Paulo, onde o grupo tocou por anos consecutivos.
“Eles pavimentaram o chão. Quando começaram, era tudo mato. A gente só dá continuidade a essa história maravilhosa”, conclui.