Criadora de 'Como Treinar o Seu Dragão' se inspirou em ilha sem eletricidade
Por Tiago Pechini/Folhapress em 24/06/2025 às 10:20

Cressida Cowell, 59, cresceu em uma ilha sem eletricidade, na costa oeste da Escócia ouvindo histórias de dragões e vikings que, segundo o pai, habitavam ruínas há séculos. Hoje, ela é uma das autoras mais populares da literatura infantil no mundo, e criadora da série “Como Treinar o Seu Dragão”, que acabou de ganhar mais uma adaptação para os cinemas, agora em live-action.
A autora britânica falou com exclusividade à reportagem direto de Londres, onde mantém um galpão no fundo do jardim só para escrever. “É onde fico depois do café da manhã. Tem uma cama num dos cantos, caso eu trave em alguma parte da história.”
Foi em um de seus cadernos de ideias que ela criou Soluço, um garoto franzino, sensível e inteligente demais para o mundo que o cercava. A ideia surgiu pouco depois de dar à luz seu primeiro filho. “Olhei para o banco de trás do carro e pensei: – eles vão me deixar sair do hospital com um bebê, mas eu não sei nada sobre bebês! – Então voltei à minha infância e pensei em que tipo de mãe queria ser.” A relação entre Soluço e Stoico, um chefe viking rígido e orgulhoso, pai do protagonista, é como a autora imaginava o próprio pai.
As ideias de Cowell não começam com enredos. Para ela, tudo nasce do encontro entre personagens e ambiente. Com as características definidas, os conflitos vêm quase naturalmente. Leitora voraz de não-ficção, ela gosta de rechear seus livros com informações reais: “Sabia que os vikings treinavam gatos para usar em batalhas? É difícil lutar quando um gato está atacando sua cabeça”, brinca.
A criação, no entanto, vai além da escrita. A autora considera o traço parte inseparável da narrativa. Cressida também desenha todos os seus livros. “A ilustração é tão importante quanto o texto. Começo rabiscando personagens, frases soltas, anotações. Nunca separo uma coisa da outra”, afirma.
Ela escreve pensando nas crianças, mas não apenas para elas. Ao imaginar uma cena, pensa também na reação dos adultos que estarão lendo junto. “Leitura é mais poderosa quando é uma experiência compartilhada. Por isso adoro ouvir que o livro fez a mãe rir, o pai chorar ou o professor suspirar.”
A autora se orgulha de abordar temas profundos em seus livros – mas sempre embalados em aventuras e bom humor. “As crianças conseguem lidar com assuntos complexos”, diz. Os livros fazem perguntas sobre liderança, preservação da natureza e o que fazer para enfrentar um valentão.
Segundo ela, o hábito da leitura por prazer pode ter mais influência sobre o sucesso de uma criança no futuro do que sua origem familiar. “Afeta tudo: saúde, provas [na escola], a renda [futura], a empatia. É vital”, afirma.
Apesar das mudanças no comportamento das crianças, Cowell ainda vê um espaço enorme para a fantasia. “Elas continuam tão inteligentes e criativas quanto sempre foram. Mas agora existe mais concorrência por atenção, por isso, eu encho meus livros de ação, piadas, reflexões e ilustrações.”
Ela diz que histórias mágicas não perderam seu lugar num mundo de algoritmos. “As telas contam histórias também, é isso que chama a atenção. Mas a leitura devolve algo extraordinário. Leitura é mágica. E mágica é para todos.”
Cressida foi chamada de “Messy Cressy” (Cressy bagunceira, em inglês) na escola, por ser desorganizada. Diz que não se encaixava no molde tradicional. “Pode ser desanimador quando você tenta se encaixar, mas não consegue. Os livros ajudam as crianças a entender que outras pessoas se sentem assim também.” E lembra com carinho da professora Miss Mellows, que lhe deu um caderno para escrever livremente. “Era só para criar. Sem olhar ortografia ou gramática.”
Hoje, ela recebe mensagens de leitores que cresceram com seus livros e continuam recorrendo a eles. “Acredito que é porque eles voltam a esses livros em busca de significado. É isso que dá profundidade à literatura.”
Aos que se preparam para reencontrar Soluço nos cinemas, Cowell entrega um convite simples: “O novo filme é incrível. E sim, tem dragões. Muitos dragões.”