Adaptação de 'Véspera', na HBO Max, quer pôr ideia de instinto materno em xeque
Por Leonardo Sanchez/Folhapress em 22/07/2025 às 11:33

Balões coloridos tingem o quintal de uma casa da Lapa, na região oeste de São Paulo. Festiva, a decoração engana quem pensa que a família que mora ali vive um momento de alegria. Engana até mesmo a aniversariante, sorridente atrás de um bolo. É naquele momento, afinal, que se desenha a tragédia que gatilha a trama de “Véspera”.
Adaptação da obra homônima de Carla Madeira, a nova série nacional da HBO Max – que recentemente voltou a ter nome composto depois de um rebatizado que não colou – embaralha a linha do tempo de uma família comum, entre os anos 1970 e 2010, para questionar a ideia de instinto materno.
Com gravações finalizadas no mês passado, “Véspera” começa com um ato extremo, o abandono de um filho pela própria mãe. A partir daí, a série disseca aquela atitude mostrando os acontecimento que vieram antes e que levaram Vedina, personagem de Camila Márdila, a rejeitar a maternidade.
A decisão é tomada exatamente naquela festa de aniversário. Pouco depois dos parabéns, a protagonista põe o filho de cinco anos no carro, dirige até uma avenida de mão única e o abandona. Ela retorna, arrependida, mas a criança já não está mais lá.
“As personagens da Carla [Madeira] estão sempre em seu extremo, então eu imagino que o público se sente contemplado por elas, que são tomados por atitudes drásticas, constrangedoras, mas que na verdade estão em todos nós”, diz Márdila.
“Véspera” está pouco interessada nas repercussões da tragédia. Tanto livro quanto série se empenham no antes, tentando entrar na mente de uma mulher que é levada a tomar uma atitude insensata, questionável por vários motivos. É um ato que passou por uma longa gestação, percebemos.
“Hoje existe um debate maior em torno da solidão de quem materna, algo que não diz respeito apenas à relação entre mãe e filho, mas às falhas estruturais na forma como lidamos com gênero, a questões políticas e sociais. ‘Véspera’ começa com um ato extremo da Vedina, mas o despersonaliza, implica todos os outros personagens, e a sociedade como um todo, naquele abandono”, diz a atriz.
Intérprete de Veneza, a cunhada de Vedina, Bruna Marquezine diz que tem desejo de ser mãe um dia. Embora ainda não o seja, ela sente a pressão da maternidade em sua vida, simplesmente por ser mulher. Por isso, mas não só, é difícil julgar as ações da protagonista.
“A Carla [Madeira] envolve o leitor de tal forma que sentimos que nós mesmos cometemos aqueles atos. Você é incapaz de julgar, de se distanciar, de dizer o que é certo e o que é errado. E tivemos o cuidado de não higienizar a obra, porque estamos lidando com personagens reais, falhos.”
Com oito episódios, “Véspera” deve passar tempo considerável na pós-produção. Dois de seus personagens principais, afinal, são gêmeos vividos pela mesma pessoa, Gabriel Leone. Nas gravações, ele precisava fazer as cenas que os irmãos Caim e Abel compartilham duas vezes.
Um outro ator servia como dublê de corpo, fazendo as vezes de Leone em tomadas que não mostravam sua face. Quando os dois rostos estiverem visíveis ao mesmo tempo, uma tecnologia de substituição digital vai sobrepor a face Leone à do dublê.
“Seria incrível poder gravar todas as cenas de um, e depois todas as do outro, mas isso é inviável. Ao longo desses meses de gravação eu tive que alternar entre os personagens várias vezes num só dia”, diz Leone. “E não bastava me concentrar em um só por vez. Enquanto atuava como Caim, já tinha que pensar em como seria a reação do Abel. É um trabalho complexo e muito sutil.”
Assim, “Véspera” surge como uma das apostas mais arrojadas da HBO Max no país. No set de filmagem cuidadosamente montado, é possível notar um apuro técnico e uma qualidade de produção reservados apenas a conteúdos mais “premium”, geralmente associados ao selo HBO.
Imagens de santos católicos cobriam mesas, cômodas e paredes daquela casa na Lapa, remodelada várias vezes ao longo de cinco meses para acompanhar o avanço do tempo sobre o imóvel e seus moradores. Entre um Santo Antônio e uma Nossa Senhora, um mesmo rosto infantil aparecia em retratinhos, sempre em dose dupla.
Com seus nomes, Caim e Abel deixam clara a inclinação religiosa da mãe e também sua rivalidade fraternal. O primeiro sempre foi bem na escola, tinha vários amigos e, mais tarde, acaba se casando com Veneza, que fazia disparar os corações dos irmãos na juventude. O segundo, ressentido, se torna um rapaz introspectivo e sem conexão emocional com a família, inclusive com a mulher, Vedina.
“Véspera”, que tem produção da Boutique Filmes, ainda não tem previsão de estreia. A adaptação ficou a cargo de Ângela Chaves e Mariana Torres, enquanto a direção-geral é de Joana Jabace, que trabalhou em “Segunda Chamada”, “Avenida Brasil” e outras obras na TV aberta, sugerindo o tom melodramático que a série deve adotar.